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3• Pode ser pouco, mas
será sempre sangue

Existe um fato que poucas pessoas sabem ou se dão conta, ou mesmo não percebem. É o seguinte: a grande maioria dos procedimentos realizados na boca por um dentista implica algum tipo de sangramento gengival, muitas vezes um sangramento mínimo e não percebido pelo paciente. É uma coisa fácil de se constatar: a gengiva contorna todos os nossos dentes e é rara uma intervenção num dente, principalmente envolvendo aquele espaço entre um dente e outro, que não cause algum tipo de sangramento gengival, seja durante o tratamento realizado ou seja durante o seu acabamento. Na maioria das vezes é um sangramento mínimo e se somarmos todo o volume de sangue perdido, ele pode não chegar a uma gota, mas é sangue. É por esse motivo que os pacientes não o percebem. Outras vezes o dentista joga um jato de água na boca do paciente que dilui aquela gotinha de sangue e, com o sugador de saliva, suga tudo aquilo. Resultado: jamais o paciente imaginará que nele ocorreu um ligeiro sangramento gengival. O dentista também não vai contar ao paciente tudo o que está acontecendo. Uma das funções dele é tranqüilizar o paciente e não amedrontá-lo.

Agora imagine o seguinte: o dentista usa uma porção de instrumentos em sua boca, muitos deles cortantes. Claro que o sangue vai ficar em contato com esses instrumentos. Tais instrumentos não são descartáveis. Eles serão usados em outros pacientes. Posso até citar o nome de um deles: é o Recortador de Margem Gengival. O próprio nome já diz tudo. Então, já pensou que você pode ser um desses outros pacientes? Claro que o dentista vai falar que está tudo desinfetado e esterilizado, mas será que está mesmo? Pode até estar, mas sempre restará uma dúvida, pois muitos fatores envolvidos nesse processo não dependem diretamente do dentista e são fatores que dificilmente possibilitam um controle preciso de todas as suas variáveis. Você se arriscaria?

Somente a título ilustrativo, aqui vão algumas doenças que podem ser transmitidas pelo sangue, aquele mesmo sangue que sai da gengiva dos pacientes que freqüentam um consultório dentário: Hepatite A, Hepatite B, Hepatite C, Sífilis, Doença de Chagas... e, inclusive a AIDS. Já existe na literatura um caso comprovado de uma paciente americana que contraiu a AIDS durante um tratamento odontológico. Foi feito um alarde relativo a esse caso porque se tratava da AIDS, mas é bom estarmos cientes que não é só a AIDS não! As inúmeras outras doenças são tão transmissíveis quanto ela e a próxima vítima pode ser você. Pense bem antes de tomar a decisão de ir ao dentista. Você pode estar salvando a sua vida!

 

 

24• Não, eu não sou assim...

Falando da anestesia, se você alguma vez já chegou a tomar alguma, você deve se lembrar do tanto que é ruim aquela sensação de boca adormecida, inchada, mais parecendo que existe um formigueiro sobre seu rosto. Realmente, é horrível.

Logo nos primeiros instantes após a injeção já se começa a sentir aquele formigamento, tanto dentro quanto fora da boca, que vai aumentando gradativamente de intensidade. Some-se a isso aquela sensação de que a boca e o rosto, do lado onde foi aplicada a anestesia, estão pelo menos duas vezes maiores, inchados. Realmente, é horrível mesmo.

Se a anestesia durasse somente o tempo destinado para o atendimento odontológico seria ótimo, embora isso não consistisse em um motivo para você abandonar seus ideais de não ir ao dentista. Outro problema é que a anestesia perdura durante horas ainda, após terminada a sessão. Em outras palavras, o paciente que se submete à anestesia vai ter que ficar durante horas ainda, terminado o atendimento, com todas aquelas sensações de formigamento na cara, como se houvessem uma porção de alfinetes espetando o rosto ao mesmo tempo, e boca inchada. Realmente, é horrível mesmo, de verdade.

Existem outros inconvenientes também. A anestesia nos faz ficar com a boca meio torta. Até para falarmos com naturalidade, por causa dessa sensação de dormência, é difícil. E como ela afeta as fibras sensitivas de nossa enervação, nós não sentimos mais o que está no interior de nossa boca até que o efeito passe. Então, mesmo que haja um acúmulo de saliva no interior de nossa boca, esse acúmulo não será notado. É natural as pessoas que tomam anestesia babarem um pouquinho, elas não estarão percebendo isso, pois houve um acúmulo de saliva e não existe a sensação desse acúmulo para que a mesma possa ser engolida.

Agora imagine que existe um broto que você está paquerando faz tempo e que também esse broto já está ficando a fim de você. É aquela fase gostosa da paquera em que você sabe que vai conseguir, mas fica na expectativa de quando e onde será. Imagine que você foi ao dentista, tomou lá umas anestesias e saiu. Assim que você vira a esquina do consultório, você encontra, nada mais nada menos que o broto, caminhando bem em sua direção. O broto se alegra por tê-lo encontrado e lhe lança aquele sorriso de te deixar fora de si por alguns segundos. Você, obviamente, vai ter que sorrir também, mau humor não conquista broto nenhum. Qual será a impressão daquele broto ao receber um sorriso seu, de boca torta e ainda babando? Ele vai achar que você saiu de algum thriller B, daqueles bem baratos. E isso com certeza será uma impressão marcante, difícil de ser apagada. Pode saber que você já terá perdido 95% de suas chances com esse broto.

Mas... vamos supor que o broto te viu nessa situação deplorável, ficou tão chocado, e ao mesmo tempo com uma pena imensa de você, que resolveu até pagar um lanche para ti. Você, como estava tão desconcertado, não teve como não aceitar. Foram e sentaram-se num point qualquer. Sabe o que iria acontecer? Como a anestesia tira a sensibilidade da parte interna da boca, é bem provável que você nem consiga tomar o suco direito, iria fazer aquela barulheira como se estivesse sugando com um canudo um resíduo de líquido que restou num copo. Até derrubaria suco pelos cantos da boca. A comida iria ficar aderida a seus lábios pelo lado de fora e você não a sentiria. Você iria mastigar de um modo esquisito, barulhento e com a boca totalmente torta. Sem contar que iria continuar babando... O broto iria te fazer algumas perguntas e você iria responder falando totalmente enrolado.

É, depois dessa os seus 5% de chance que restavam desapareceriam por completo. E pequena não seria a sua surpresa ao notar que, passado o efeito da anestesia, a parte interna da sua bochecha estaria toda dolorida e machucada. É que como estava anestesiada, você também mastigou a bochecha sem perceber. O broto ficaria estarrecido e imaginando de que fria ele escapou se tivesse levado adiante a paquera com você.

 

 

33• Natural é melhor

Você já deve ter ouvido falar em prótese dentária, não é? Prótese dentária é geralmente tudo aquilo que é confeccionado fora da boca do paciente e posteriormente nela adaptado. Como exemplo podemos citar as dentaduras, pontes removíveis, pontes fixas, incrustações metálicas, aquilo que é chamado de coroas com pivô, “coroas tipo jaqueta” etc.

Para a confecção de uma prótese qualquer, o dentista toma a moldagem dos dentes ou área envolvida e encaminha o material para um laboratório de prótese. É lá que trabalha esse tal de protético e é ele quem vai, a partir do molde e material enviado pelo dentista, confeccionar a prótese, seja ela uma dentadura ou uma simples “coroa tipo jaqueta”. A título de curiosidade, diga-se que se deve dar preferência a sempre dizer “prótese total” do que usar o termo dentadura.

Sempre foi preocupação da odontologia ao realizar próteses dentárias, sejam elas de qualquer natureza, em conferir-lhes um aspecto que seja o mais natural quanto possível, de modo que possam se assemelhar ao máximo com os dentes naturais ou mesmo se confundirem com eles. E os laboratórios de prótese que procuram manter um certo padrão de qualidade sempre investem em tecnologia para isso, através de aparelhos e materiais que possam imitar com perfeição um dente natural.

Agora veja só: sabe o que os modernos laboratórios de prótese têm realizado para conferir naturalidade aos dentes confeccionados? Eles têm simulado a presença de cáries nos dentes artificiais para conferir-lhes um aspecto natural e bonito. Através de pigmentos consegue-se reproduzir as variadas cores encontradas num dente cariado natural e isso tudo é passado para os dentes artificiais. O resultado conseguido é impressionante.

Agora veja só de novo: enquanto os laboratórios tanto investem e pagam caro para imitarem nos dentes confeccionados uma cárie natural, você, que tem o privilégio de já as possuir naturalmente em seus dentes, vai querer removê-las? Por mais que esses laboratórios se esforcem, eles jamais conseguirão reproduzir uma cárie tão perfeita e bela como esta que você tem na boca. Você então é uma pessoa privilegiada. Sorria com alegria e sem medo de mostrar os dentes.

 

 

38• Outro perigo invisível

Hoje em dia, todo consultório odontológico que se preze possui um aparelho de raios X. Com a descoberta dos raios X, em 1895, por um pesquisador de Munique, Alemanha, chamado Wilhelm Conrad Röentgen, abriu-se um novo horizonte para o diagnóstico e mesmo para o tratamento de variados problemas que afligem o organismo humano. A área odontológica foi amplamente beneficiada pela descoberta dos raios X. Surgiu a radiologia odontológica e a partir daí um outro novo horizonte, diferente daquele primeiro mencionado, passou a ser visualizado pelas janelas das diversas especialidades odontológicas. Atualmente, os raios X têm um grande valor na maioria das especialidades odontológicas e, por que não dizer em todas elas? Mesmo naqueles tratamentos onde não é necessária a tomada de uma radiografia, claro que se ela for realizada só trará benefícios, auxiliando na visualização de partes e estruturas que não poderiam ser visualizadas de outra forma e melhorando sobremaneira a qualidade e o resultado final dos mesmos.

Que lindo, não? É uma história tão linda que até parece que saiu de um livro de contos de fadas. Mas esse é apenas um lado da moeda, geralmente o único a ser mostrado. Vamos agora mostrar o outro lado. É como se fosse um julgamento onde você é o juiz. A defesa já se pronunciou. Agora é a vez da acusação.

Para começar a acusação, diga-se que Röentgen teve seus dedos da mão amputados e morreu vítima de câncer, certamente causado pela radiação a que se submetia. Depois dele, outros pesquisadores também tiveram partes do corpo amputadas por causa dos raios X.

Mesmo uma única e simples tomada radiográfica pode causar problemas que você nem imagina. Por isso é que se exige o uso de avental de chumbo, ou de borracha plumbífera, pelo paciente durante a tomada de toda e qualquer radiografia, seja ela de que tipo for, mesmo que a duração da emissão dos raios X seja lá de meio segundo, por exemplo.

Suponha que você tenha uma filha de dez, onze anos, por exemplo. Nessa idade, seus óvulos são de certa forma frágeis e extremamente sensíveis à radiação. Suponha ainda que essa sua filha foi ao dentista e lá tirou algumas radiografias e, para infelicidade dela, sem o avental de chumbo, que, diga-se de passagem, é uma raridade nos consultórios. Existe uma grande possibilidade, diretamente relacionada com a potência do aparelho de raios X, da radiação ter causado problemas em um, dois ou mais óvulos de sua filha. Se posteriormente, seja em que idade for, sua filha resolver ter um filho e porventura o óvulo fecundado for aquele que sofreu os efeitos da radiação quando sua filha foi ao dentista, sabe o que acontecerá? Você pode ter um neto defeituoso, ou com problemas mentais ou outros problemas diversos que são difíceis de se prever. Mesmo num homem, onde a região gonadal é muito sensível à radiação, se este tiver seus testículos expostos à radiação e porventura um dos espermatozóides afetados participar da concepção, não há dúvida de que existirão problemas na futura criança. Radiação é coisa séria e infelizmente subestimada por várias pessoas que com ela trabalham. Quer correr este risco?

Se você for ao dentista, provavelmente, certamente, com certeza e possivelmente, ele vai necessitar de uma radiografia. E aí? Será que ele possui avental de chumbo no seu consultório? Será que a kilovoltagem e a amperagem de seu aparelho de raios X estão corretas? Será que o aparelho está emitindo mais radiação do que deveria? Será que o timer do aparelho, que controla o tempo de emissão dos raios X, está funcionando corretamente? “_Meu Deus, o avental não está cobrindo o meu corpo corretamente e o aparelho vai disparar, o que faço?” Essas são algumas perguntas que uma pessoa esperta como você faria se estivesse vivenciando a situação de um tratamento dentário. Vale a pena correr esses riscos todos?

Bem, senhor juiz, você já ouviu a defesa e apenas um pouquinho da acusação, que não se pronunciou mais porque o autor do livro tem outros motivos para escrever e esse livro não é só para falar de raios X. Aguarda-se seu veredicto. Não o veredicto que condene, ou não, os raios X porque eles já estão condenados desde que Röentgen perdeu os dedos, mas o veredicto que diga se deve-se ou não ir ao dentista, em meio a todos esses riscos e perigos.

 

 

47• O canal das torturas

Você já se imaginou alguma vez fazendo um tratamento de canal? Se você já chegou a fazer algum, sabe bem do que vou falar. Se nunca fez, realmente fica difícil imaginar tanto sofrimento sem nunca ter por ele passado. Como você já viu, durante um tratamento dentário, quando você menos esperar você pode ser surpreendido com a notícia de ter que fazer o canal do dente.

Supondo que você seja a vítima que terá que passar pelo infortúnio de ter um canal “tratado”. Você vai passar aquelas horas todas que antecedem a consulta preocupado com a dor e o desconforto que vai sentir. Perguntar como é que foi para quem já fez um canal é pior porque isso só vai te deixar mais tenso e nervoso. Se você estiver mexendo com contas ou números, pare! Sua cabeça vai estar a mil e é bem provável que você acabe fazendo alguma coisa errada. Na sala de espera do consultório vai ser visível a sua apreensão. Rapida e tremulamente você vai começar a folhear as revistas, sem nada ler, apenas para ver se esquece isso. A secretária vai tentar puxar algum papo, mas você não vai estar para conversa. O paciente que estava sendo atendido sai e seu coração dispara. Você sabe que será o próximo. Nessas horas é natural que você comece a torcer para que algum imprevisto aconteça, para que o dentista receba um telefonema e tenha que sair, para que o compressor do consultório dê um problema etc. Mas nada disso acontece e o dentista te chama. Seu coração dispara mais ainda. Ao se levantar do sofá, você percebe que o lugar onde você estava sentado está úmido. Você estava suando frio. Na cadeira do dentista, você vai tentar mostrar a ele que está bem, só que não vai adiantar. Ele sabe que você está tenso porque já é treinado para observar essas coisas. Ele diz algumas palavrinhas para te acalmar e já começa a preparar a seringa para anestesia. Como o nervo do seu dente vai ser extirpado, a anestesia tem que ser bem forte. Você até se assusta com o tamanho da agulha, fecha os olhos com força e recebe a picada. Como você está tenso, a dor da picada é maior. Quando ele retira a seringa da sua boca, você fica um pouco mais calmo. Seu rosto está tão amortecido e pesado que parece que tem um tijolo amarrado nele. Aí o dentista vai vir com aquele lençol de borracha que vai cobrir sua boca toda. Você se sente sufocado com aquela parafernália toda tapando sua boca. E aquele sugador que ele colocou embaixo da sua língua já começa a te machucar. Aí, depois de várias investidas com a broca, o dentista consegue expor o nervo do seu dente. Primeiramente ele vai pegar um instrumento chamado cureta ou outro chamado escavador, ou ambos, e começar a escavar o nervo do seu dente, tirando pedacinho por pedacinho. Você sente um mal-estar danado ao ver aquelas bolinhas vermelhas de sangue que ele vai tirando do seu dente. De repente o dentista pega a seringa de novo. Seus olhos se arregalam achando que é para outra anestesia.

“_Não!” – diz o dentista. Aquela seringa possui um líquido que é para lavar o seu dente. O dentista começa a lavar o dente e um pouco daquele líquido escorre pelo lençol de borracha e vai parar lá na sua boca. Você se assusta com o gosto de água sanitária que ele tem, faz aquela cara feia, mas inevitavelmente acaba engolindo um pouco. Você vira para o lado e vê o dentista de costas procurando alguma coisa numa caixinha que está perto dele. De repente ele se vira trazendo uma lima na sua mão, aquela agulhinha para enfiar na raiz do seu dente. Você fica pálido e começa a ficar todo molhado imaginando em que fria foi se meter. Quando ele começa a enfiar aquela agulha na raiz do dente, você dá um pulo na cadeira, de dor. O dentista tira a agulha e te pergunta com a maior naturalidade:

“_Doeu?” A sua vontade é de dizer para ele: “_Claro que não! Foram apenas cócegas.” Ou então dizer que esqueceu de tomar o seu remédio para tiques nesse dia. Mas com esse lençol de borracha esticado na sua boca, você não pode é dizer nada. De repente você vê o dentista com a seringa na mão novamente. Você imagina que ele vai lavar o dente de novo. Ledo engano. Agora é anestesia mesmo e ela vai ser dada dentro da raiz, bem em cima do nervo que está exposto. Crau! Você sente uma das maiores dores que já sentiu na sua vida. Chega até a se encolher na cadeira. Ainda bem que passou rápido, pensa você. Novamente volta o dentista com aquelas agulhinhas terríveis. Ele começa a ficar colocando e tirando elas do seu dente, em movimentos alternados. Começou a doer de novo, você fez um sinal, mas o dentista fala para você agüentar um pouquinho que já está acabando. Você notou que cada agulhinha que ele vai pegando daquela caixinha vai ficando mais grossa do que a anterior. E a dor aumentando... Certa hora, depois de tanto sofrimento, o dentista se levanta e pede para você segurar um filme radiográfico em posição na sua boca. Após tirada a radiografia ele te diz que vai fechar o seu dente. Você fica todo aliviado. Até que enfim terminou essa sessão de torturas. Ele tira aquele lençol da sua boca e você dá um suspiro de alívio. Você se sente um vencedor por ter conseguido passar por tudo isso. E aquele ar de tranqüilidade, que estava começando a soprar nos seus pensamentos, de repente se revolta e suas idéias começam a fazer um redemoinho quando o dentista te diz para marcar um retorno para que ele continue a fazer o canal. Baixa um desânimo imediato em você ao saber que serão necessárias mais duas sessões como essa pela qual você acabou de passar para que seu canal seja finalizado. Você sai do consultório arrasado e torcendo para que o mundo acabe logo.

Que pesadelo, hein? Acho que você não desejaria isso nem para seu pior inimigo. Saiba apenas que a partir do momento em que você pisar num consultório dentário, este é apenas um dos muitos pesadelos que você estará correndo o risco de viver.

 

 

77• Uma história real

Esse motivo vem de minha vivência como profissional. Vai mostrar a você, de forma definitiva, que a odontologia também tem os seus bastidores e que aquelas pessoas que vão ao dentista nunca sabem o que neles se passa. Vai mostrar a você o episódio absurdo que ocorreu por trás das cortinas de um modesto consultório destinado ao atendimento de pessoas carentes. Fará com que você perceba que existem pessoas que se preocupam apenas com elas próprias e com as pessoas com as quais podem lucrar alguma coisa, fazendo com que se danem as outras.

Logo que me formei, naquela ânsia por trabalho característica de todo recém-formado, consegui um emprego onde iria exercer a profissão prestando atendimento às pessoas de baixa renda do município. Éramos vários dentistas e cada um foi designado para o atendimento em determinado local. Alguns foram designados para os consultórios situados nas escolas públicas e outros para os consultórios dos postos de saúde dos bairros. Trabalharia eu em um consultório que, como todos os outros, também era mantido através de recursos do município, provenientes em parte dos diversos impostos cobrados da população.

Chegava a atender nesse consultório variadas pessoas, desde crianças até pessoas idosas. Eram pessoas modestas que, pela sua simplicidade, não faziam questão de sofisticação. Claro que trabalhos complexos não eram lá realizados, apenas aqueles que o material e os equipamentos disponíveis possibilitassem sua execução. Mais importante do que o trabalho lá realizado nos pacientes era a preocupação com a higiene e assepsia, pois a variedade de pessoas que lá eram atendidas exigia rigor e atenção nos cuidados visando prevenir a transmissão de infecções e doenças. Era preferível não atender um paciente do que atendê-lo expondo-o ao risco de contaminação, fazendo-o contrair alguma patologia proveniente de outro paciente anteriormente atendido.

Grande foi minha surpresa ao chegar um certo dia para o trabalho e ser avisado pela faxineira que havia lá uma carta para mim. Maior ainda foi meu espanto ao ler o seu conteúdo. Nela, o sujeito que era o responsável pelo serviço odontológico do município dizia que não era para eu usar uma luva descartável diferente no atendimento de cada paciente e que, se eu com isso não concordasse, era só pedir demissão. Você deve estar espantado também, não é? Mas foi exatamente isso que aconteceu. Certamente tal sujeito, para descobrir que estava eu descartando as luvas após cada atendimento, deve ter andado vasculhando o lixo do consultório após cada dia de trabalho. Existindo todas as condições de se prestar um atendimento decente às pessoas carentes, queria ele fazer economia, talvez buscando algum tipo de promoção, submetendo tais pessoas a um total desprezo e falta de higiene. Por que? Só porque eram pessoas pobres? Será que o município não tinha dinheiro para bancar um par de luvas descartáveis para cada paciente atendido?

Nenhum paciente que era lá atendido ficou sabendo desse episódio. Não sei como ficaram as coisas lá e nem como são hoje. Impressiona bastante o descaso com que se queria que fossem tratados aqueles pacientes carentes. Sem dúvida alguma, se eles soubessem disso, eles próprios pagariam as luvas que fossem neles utilizadas. Aliás, o preço de um par de luvas descartáveis se compara ao preço de uma bala, que é distribuída aos montes pelo município quando ocorre alguma festividade na cidade envolvendo crianças. Com certeza os outros dentistas do quadro, se estavam descartando as luvas após cada atendimento, receberam uma ameaça semelhante àquela que recebi. Muitos precisavam do emprego e não sei que desfecho acabou tendo a história. Muito me entristece o fato de saber que coisas desse gênero não são raras e que justamente aquelas pessoas que são inocentes é que acabam levando os maiores prejuízos. Entre tantos outros inconvenientes que provavelmente até hoje acontecem, quem sabe aqueles pacientes que são nesse meio atendidos, na ilusão de estarem se beneficiando, com vistas ao tratamento a que se submetem, estivessem tendo um benefício bem maior se não tivessem resolvido ir ao dentista.

 

 

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